A Embrapa Pecuária Sudeste (SP) conduziu um estudo que apontou que são necessárias 52 árvores por vaca nos sistemas intensivos de produção para se chegar ao “leite carbono zero”. O plantio de árvores é uma estratégia de compensação das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e pode ser usado por pecuaristas para o desenvolvimento de uma pecuária mais sustentável e voltada à descarbonização.
A pesquisa foi conduzida na fazenda Canchim, sede da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), por dois anos. O experimento utilizou dois sistemas de manejo de pastejo: extensivo - sistema de pastejo contínuo com baixa taxa de lotação e o intensivo - sistema de pastejo rotacionado irrigado, com alta taxa de lotação. A mata nativa (Mata Atlântica) foi utilizada como área de referência para o cálculo dos estoques de carbono e cada tratamento teve duas repetições de área. O trabalho avaliou o efeito de vacas holandesas (HPB – Preto e Branco) e de jersolandas nestes diferentes níveis de intensificação.
Foram utilizadas 24 vacas em cada período de avaliação, totalizando 48 vacas em todo o experimento. Todas, dentro de cada grupo de genótipos (holandês e jersolanda), estavam uniformes em idade, peso vivo, estágio de lactação e produção de leite, com aproximadamente 90 dias de lactação no início de cada período experimental.
No experimento, foi realizado o balanço de carbono entre as emissões de GEEs (inclusive de metano - CH4 entérico) e as remoções de GEE, por meio do sequestro de carbono do solo. Essas variáveis foram usadas para calcular o número de árvores necessário para mitigar a emissão e o efeito poupa-terra (tecnologias adotadas pelo setor produtivo que permitem incrementos sustentáveis na produção total em uma mesma área, evitando a abertura de novas áreas para produção agropecuária).
Segundo a cientista da Embrapa, Patrícia Oliveira, responsável pela pesquisa, os dados demonstraram que a intensificação das pastagens contribui para elevar a produção de leite e para a economia de 2,64 hectares de terra. No modelo intensivo, a taxa de lotação foi de cerca de sete vacas por hectare, enquanto no extensivo, apenas duas vacas por hectare.
“Isso significa que é possível produzir a mesma quantidade de leite em um hectare do sistema intensivo como em 3,64 ha do extensivo. A intensificação adotada permite diminuir a pressão por desmatamento dos 2,64 ha restantes. Dentro dessa área, é possível preservar aproximadamente 145 diferentes espécies arbóreas nativas, além da manutenção de diversas espécies da fauna da Mata Atlântica”, explica Patrícia.
As árvores necessárias para mitigar a emissão foram calculadas considerando o balanço de carbono dentro da porteira da fazenda. A taxa de crescimento anual e o acúmulo do gás nos troncos dos eucaliptos foram obtidos em sistemas silvipastoris próximos ao local do experimento.
Os resultados também foram promissores no que se refere à pegada de carbono por litro de leite (corrigido para teores de gordura e proteína), com valores inferiores a 0.5 kg de CO2 por litro de leite para todos os tratamentos avaliados.
Considerando apenas a raça, na comparação entre as holandesas e as jersolandas, as jersolandesas são mais eficientes em relação às emissões. Com o plantio de 38 árvores por vaca, o produtor faz a compensação; os que utilizam a raça holandesa precisam de oito árvores a mais por vaca.
A pecuária brasileira é realizada principalmente em pastagens. Dessa forma, a demanda de redução das emissões e da pegada ambiental, dá uma vantagem a mais ao País. Sendo os bovinos criados a pasto, a necessidade de árvores para a compensação das emissões de GEEs é menor, porque na contabilização do balanço de carbono, o sequestro de carbono do solo, positivo nos dois sistemas testados, contribui na compensação das emissões.
Imagem: sistema de ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) ou agrossilvipastoril em propriedade leiteira atendida pela FAU no Rio Grande do Sul.
A produção de leite no Brasil e a sustentabilidade
O Brasil é o terceiro maior produtor de leite no mundo, com 35 bilhões de leite por ano. As propriedades estão inseridas em 98% dos municípios brasileiros, sendo a maioria de médio e pequeno porte. No total, mais de quatro milhões de pessoas estão envolvidas na produção de leite no país.
O setor, além de ter a demanda de elevar a produtividade, viu aumentar nos últimos anos as expectativas dos consumidores em relação à qualidade do produto e às questões de sustentabilidade e bem-estar animal.
No Brasil, a agropecuária é responsável por 33,6% das emissões brasileiras de GEE, sendo 19% vindas da fermentação entérica. O rebanho bovino contribui com 97% das emissões de metano, sendo 86% do rebanho de corte e 11% do gado leiteiro.
“Estratégias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, como mudanças no manejo de sistemas de produção de leite a pasto, por meio da intensificação da utilização de forragem e uso de raças e cruzamentos de animais mais especializados, podem contribuir para compensar as emissões de GEE. Comparados aos sistemas leiteiros tradicionais são sumidouros de carbono. Essas ações - melhorar a fertilidade do solo e manejo das pastagens, a nutrição e a genética animal são pontos básicos e de fácil adoção - podem contribuir para o balanço de carbono das fazendas leiteiras e diminuir a necessidade de outros procedimentos externos, como a compra de créditos de carbono para compensar as emissões”, enfatiza a pesquisadora.
Assim, a intensificação sustentável dos sistemas de produção de pecuária leiteira pode se tornar uma tecnologia chave para a mitigação das mudanças climáticas e para a baixa emissão de carbono nesta atividade.
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